“Jesus não pode fazer milagres em Nazaré”
O texto de
hoje encerra o segundo bloco da primeira parte do Evangelho de Marcos - que
trata da cegueira dos familiares de Jesus. O primeiro bloco (1,14-3, 6) mostrou
a cegueira das autoridades, e o próximo bloco mostrará a cegueira dos
discípulos. Assim, Marcos gradativamente aumenta a tensão entre o que Jesus é e
a incompreensão dos que o conhecem: autoridades, familiares e discípulos. Tudo
para poder lançar como questão fundamental do seu Evangelho a pergunta: “E
vocês, quem dizem que eu sou?” (Mc 8, 29).
De uma
maneira indireta, Marcos aqui toca em um dos problemas fundamentais dos
cristãos - o escândalo da encarnação. Frequentemente não temos tanta
dificuldade em assumir a realidade da divindade de Jesus, mas sim, a sua
humanidade! Até hoje, quantas hipóteses esdrúxulas sobre onde Jesus teria
passado os primeiros trinta anos da sua vida, quando a realidade é que Ele os
passou como qualquer outro rapaz da sua geração – em uma família e
comunidade do interior, trabalhando com as mãos e partilhando a dura sorte do
seu povo, com uma fé profunda na presença de Javé no seu meio - uma fé
alimentada pelas Escrituras. Frequentemente relutamos para não enxergar a opção
real de Deus pelos marginalizados através da realidade da encarnação, pois essa
verdade nos incomoda e exige mudanças em nossa maneira de ver o mundo e a
Igreja e mudanças em nosso agir !
Os seus
próprios parentes também não queriam aceitar a pessoa e a missão de Jesus.
Marcos não esconde a dureza das críticas: “Esse homem não é o carpinteiro, o
filho de Maria?” (v. 3). Se fosse um fariseu, ou um “doutor”, ele teria sido
aceito! Quanta coisa semelhante hoje - quando preferimos acreditar nas palavras
e retórica dos “doutores” e desprezamos a sabedoria popular dos que lutam no
meio do povo para um mundo mais justo!
Marcos
retoma aqui o tema da primeira parte do Evangelho - que o caminho para conhecer
Jesus não é através de uma corrida atrás de milagres. Pois os Nazarenos
conheciam bem os milagres de Jesus: “E esses milagres que são realizados pelas
mãos d’Ele?” (v. 2). Aqui tocamos no cerne da questão: em Marcos, Jesus nunca
faz um milagre para despertar a fé em alguém. Pelo contrário, é a fé das pessoas que causa
os milagres da parte de Jesus. Por isso, é importante notar o verbo que Marcos
usa: “E Jesus não pôde fazer milagres em Nazaré!” (v. 5). Não foi que
não quisesse, nem que não fizesse milagres, mas que Ele não pôde fazer! Por
quê? Por causa da falta da fé deles!
O texto nos
desafia para que nos questionemos sobre o Jesus em quem acreditamos!
Conseguimos vê-Lo nos pequenos e humildes e nas pequenas ações em favor do
Reino? Ou O buscamos em ditos “milagres” e coisas estrondosas, que muitas vezes
podem mascarar uma relutância em assumir o caminho da Cruz? Marcos quer
suscitar uma desconfiança na sua comunidade - se nem as autoridades e nem os
parentes de Jesus o compreenderam, será que nós O compreendemos? Devagarzinho
chegaremos ao Capítulo 8, o pivô de Marcos, onde seremos convidados a responder
a pergunta fundamental da nossa fé: quem é Jesus para mim, para nós, hoje?
Tomaz Hughes SVD
Fonte:www.matrizsaocristovao.com.br
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