“Este povo me honra com os lábios, mas o coração deles
está longe de mim”
Para que
entendamos o alcance do nosso Evangelho de hoje, é necessário entender o
contexto religioso do tempo de Jesus. Entre os elementos chaves na prática
religiosa do judaísmo daquela época, estavam os conceitos de “puro” e “impuro”.
Na nossa teologia, não é possível cometer um pecado inconscientemente, mas,
para o povo do tempo de Jesus, o pecado tinha uma existência quase independente
das pessoas. Certos atos, certos lugares, certas profissões tornavam as pessoas
impuras, isso é, não aptas para participar do culto, sem primeiro passar pelos
ritos de purificação. A seita dos Essênios levava a preocupação com a pureza
ritual aos extremos. Também os fariseus - cujo nome vem de uma palavra
que significa “separados” - davam suma importância à pureza ritual, assim,
muitas vezes, impossibilitando o acesso do povo comum ao culto ao Deus da vida.
Diante
dessa situação, a prática de Jesus era altamente libertadora. Sem recusar-se a
participar nos ritos tradicionais, pois era judeu piedoso e praticante, Ele
entendeu que nada que vem de fora da pessoa é capaz de deixá-la impura! Jesus
recuperava a visão dos profetas, que tradicionalmente tinham conclamado o povo
para que vivesse a justiça e a prática da vontade de Deus, em lugar de se
preocupar primariamente com rituais externos. Jesus reintegrava as massas
pobres, excluídas da vivência comunitária pelas exigências de pureza,
impossíveis de serem seguidas na prática pela maioria. Ele voltava a atenção às
disposições internas das pessoas, que realmente podiam deixar as pessoas
“impuras” diante de Deus: “as más intenções, a imoralidade, os roubos, crimes,
adultérios, ambições sem limite, maldade, malícia, devassidão, inveja, calúnia,
orgulho, falta de juízo” (v. 21-22).
Assim Jesus recupera o ensinamento de profetas como o
Terceiro Isaías (Is 56-66), que diante das injustiças cometidas por pessoas que
viviam na pureza ritual enquanto oprimiam os seus irmãos e ainda esperavam a
proteção de Deus, denunciava: “O jejum que eu quero é este: acabar com as
prisões injustas, desfazer as correntes do jugo, pôr em liberdade os oprimidos
e despedaçar qualquer jugo; repartir a comida com quem passa fome, hospedar em
sua casa os pobres sem abrigo, vestir aquele que se encontra nu, e não se
fechar à sua própria gente” (Is 58, 6-7).
É um desafio hoje examinarmos a realidade de nossa prática
religiosa. Sem negar a importância e o papel de celebrações, ritos, rituais e
devoções, o nosso texto exige de nós seguidores de Jesus um sério exame de
consciência, para que verifiquemos se a nossa prática religiosa não está
frequentemente semelhante à dos fariseus - perfeita nas expressões externas,
mas vazia por dentro - ou se é como aquela que os profetas e Jesus propõem, uma
religião de prática de solidariedade e justiça, brotando da fé, e coerente com
a nossa fé no Deus da vida, onde os ritos têm o seu lugar, mas como expressão
de um verdadeiro compromisso com o Reino de Deus. Que não se torne realidade
nossa a denúncia de Jesus diante do legalismo farisaico: “este povo me honra
com os lábios, mas o coração deles está longe de mim” (v. 6).
Pe. Tomaz Hughes SVD
e-mail : thughes@netpar.com.br
Fonte:www.matrizsaocristovao.com.br
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