“Nenhum
profeta é bem recebido na sua pátria”
Não é fácil entender o desfecho da visita de Jesus a
Nazaré, logo após o seu batismo. É muito violenta a mudança de atitude dos
Nazarenos - da admiração à fúria. Talvez Lucas tenha unido dois acontecimentos
em uma só história. Mas, seja como for, alguns pontos importantes saltam aos
olhos.
Em primeiro lugar “todos aprovavam Jesus, admirados com as
palavras cheias de encanto que saíam da sua boca” (v. 22). Com certeza, essa
reação não foi causada pela oratória de Jesus, nem porque soubesse usar
“artifícios para seduzir os ouvintes” (1Cor 1, 4), como fazem tantos pregadores
midiáticos e políticos hoje. Não, foram palavras cheias de encanto porque
brotaram da sua intimidade com o Pai, da sua espiritualidade profunda, da sua
capacidade de compaixão, da coerência entre a sua fala e a sua vivência. Aqui
há um desafio para todos nós - de deixar que sejamos tomados pela Palavra de
Deus, de tal maneira que a nossa palavra não seja mais a nossa, mas, a
manifestação do Espírito que habita em nós. Só assim as nossas palestras e pregações
surtirão efeito. Ao contrário, por tão eloquente que possa ser a nossa fala,
seremos “sinos ruidosos, ou símbolos estridentes” (1Cor 13, 2) - chamam a
atenção, mas não deixam frutos! Como disse em uma ocasião o Papa Bento XVI, “A
Igreja não vive de si, mas do Evangelho e encontra sempre e de novo sua
orientação nele para o seu caminho. É algo que cada cristão tem de ter em conta
e aplicar-se a si mesmo: só quem escuta a Palavra pode converter-se depois em
seu anunciador. Não deve ensinar sua própria sabedoria, mas a sabedoria de
Deus, que com frequência parece estupidez aos olhos do mundo”
A reação dos vizinhos de Nazaré encontra eco muitas vezes nas
comunidades de hoje. É o pobre que não acredita no pobre! Jesus é rejeitado por
ser considerado o filho de José, um simples carpinteiro de Nazaré. Quantas
vezes, hoje, acontece que, em lugar de incentivar as nossas lideranças das
bases, os próprios companheiros de comunidade os rejeitamos por não serem
“doutores”, por não saberem “falar bonito”, como sabem muito bem os nossos
exploradores! Parece às vezes que há gente que sente prazer em destruir as
lideranças. Mas, as coisas vão mudar só quando o pobre começar a acreditar no
pobre!
Outro motivo para tal reação, com certeza, era o fato de
Jesus desafiar os preconceitos e comodismo da comunidade nazarena, usando os
exemplos da ação de Deus em favor de um estrangeiro (Naaman, o sírio) e uma
estrangeira (a viúva de Sarepta). Pois, Jesus era um profeta e o profeta sempre
incomoda, pois nos desafia a sair de nossas fronteiras, e olhar o mundo como
Deus o vê. É difícil que alguém goste de ser incomodado, e por isso preferimos
com frequência criar uma religião de ritos e rituais, com certezas absolutas
que nos confirmam na nossa visão do mundo. Mas, a verdadeira religião não é só
de ritos (embora esses tenham grande importância na celebração da nossa fé). É
o seguimento de Jesus, que veio “para que todos/as tenham a vida e a vida
plenamente” (Jo 10, 10), vivenciando a solidariedade e a fraternidade entre
todas as pessoas, sem preconceitos nem exclusões. É triste ver em tantos
lugares hoje que a maior preocupação de muitas Igrejas parece ser com as
minúcias rituais, com um número cada vez maior de normas, decretos e rubricas,
enquanto se ignoram as grandes questões da humanidade, como a violência, a
exploração, a destruição da natureza, o extermínio de indígenas, e assim por
diante. Dificilmente se pode imaginar Jesus de Nazaré agindo assim. Por isso,
talvez se fale tanto nos programas religiosos dos meios de comunicação só do
Cristo glorificado, e tão pouco de Jesus de Nazaré, profeta perseguido por
causa das suas opções concretas em favor dos sofredores, sem levar em conta a
sua raça, religião ou situação social.
Jesus nos dá o exemplo de como enfrentar estes problemas,
diante de críticas e rejeição, quando realmente tentamos ser coerentes com o
Profeta de Nazaré . Ele “continuou o seu caminho” (Lc 4, 20). É isso mesmo -
apesar das críticas, da não-aceitação, das gozações, o cristão tem que
“continuar o seu caminho”. Jesus sofreu com isso, mas não se abalou, pois a sua
convicção não se baseava na opinião, aprovação e aceitação dos outros, mas na
oração, na interiorização da Palavra. Oxalá todos nós cresçamos neste sentido,
seguindo o exemplo do Mestre! Como recomenda a Carta aos Hebreus: “Para que
vocês não se cansem e não percam o ânimo, pensem atentamente em Jesus, que
suportou contra si tão grande hostilidade por parte dos pecadores.”(Hb 12, 3)
Tomaz Hughes SVD
Fonte: www.matrizsaocristovao.com.br
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